Eu tenho uma caixinha. Caixinha velha, há tempos não aberta; caixinha de surpresas, atenta, humoristicamente reprovada, mas mole - embora de material resistente. Eu tenho uma caixinha e ela se sente fria (vive por baixo de minha camisa, agarrada em meus pulmões). Eu tenho uma caixinha e às vezes não suporto carregá-la; seus pés são de concreto e pesa mais que uma bola de ferro. Eu tenho uma caixinha e ela me tem. Escondo-a em baixo da cama, enterrada no piso falso, junto de segredos. Ela morre de medo de escuro, então roubo um vaga-lume por noite - pai de família que não retornará de sua jornada. Minha caixinha ama questões em aberto e prefere que eu acorde antes do amanhecer - é o melhor momento para ouvi-la. Ela gosta de subir ladeiras e descer em alta velocidade; música alta é uma dádiva, mas com emoções ela se quebra fácil.
Em minha caixinha há remédios vencidos, ressentimentos e um estômago embrulhado. Cabem ainda ali coisas rompidas e gritos altos, brigas tranquilas e meio espaço. Ali se agrupam recordações e esquecimentos, tudo enfileirado e em ordem alfabética. Há mofo se acumulando na caixinha e ela já não aguenta pulsar; eu paro e me pergunto como uma caixa tão jovem pode agir de tal maneira - talvez tenha sido fabricada com essa finalidade: morrer como todos - Oh! Obsolescência!
Minha caixinha agora chora, ou assim pensei, pois no dia de seu enterro chovia coisa que jamais esquecerei. Minha caixinha não era de ferro, nem de bronze nem de prata, apenas fraca como papelão e tão desgastada como lata. Minha caixinha poderia ser simples, mas podia se orgulhar, pois em sua forma anatomicamente favorável, ela iria se enterrar.