E aqui estou eu. Mais uma vez me encontro no fundo desse lago,
onde as ondas não batem, aonde as sombras não chegam e onde os reflexos das
luzes, que mais parecem penetrar uma vidraça de catedral, apenas me provocam,
pois sabem que nunca chegarão ao final das águas, nem eu terei forças para
subir e alcançar à graça. Aqui me encontro: meio morto, meio vivo,
essencialmente morto-vivo; um marinheiro pós-naufrágio, onde as únicas canções
que lembra são as músicas de nadar (mas não sabe mais). Essa agonia é confortante,
me prende, me mantêm submisso a ela; como as algas no fundo do oceano, ela me
prende, mas me prende de uma forma delicada e sonolenta (faz parte da
armadilha). Às vezes me sinto pequeno nessa vasta tonalidade de azuis, às vezes
me sinto transparente como as águas que correm um pouco mais acima, tão
transparentes que ninguém, nem mesmo o Narciso que sempre se olha nesse grande
espelho, consegue me ver; e talvez a pior e mais idiota das vezes, eu me sinto
grande, tão grande que acho que posso beber toda essa água sozinho, trazê-la
pra dentro de mim, preencher minha alma com essa abundância, porém no final só
restaria lama... Talvez o problema seja esse: o orgulho, achar que eu sou o
único capaz de beber dessa água, achar que posso fazer isso só. Às vezes penso
que tenho que me deixar seguir pelo fluxo e esperar que ele me leve de volta à
superfície. Mas na verdade a solução é simples: eu tenho que me deixar afogar
nessas águas, tenho que deixar com que ela pare lentamente esse gongo que bate
em meu peito, tão mansa, tão lenta quando as ondas que batem nas pedras... Só
assim posso voltar a respirar.
