"Visão do espaço", é assim que me sinto as vezes. Penso em coisas que poderia ter dito ou quem sabe em uma música que poderia ter criado. Me pego muitas vezes imaginando momentos que nunca existiram, mas que sempre torço que de alguma maneira venham a acontecer - sem ao menos me mexer. Ouço aquela música e penso em ti, oh pessoa imaginária. Esquizofrenia à parte, gosto desses devaneios; o mundo se torna abrangente... em meio a um grande caos de solidão. Me vejo na frente de um papel em branco, corro para o computador e deposito meus pensamentos; utilizo-me de metáforas, assim ninguém se aproxima - sou reservado... em uma mesa qualquer. Bebo até cair. É dessa forma que encontro a chave para o meu restrito e gigante mundo: tudo gira, asfalto e céu escuro rodopiam e se juntam em dos tons de preto distinto; fico entre a realidade, ilusão, porém ando devagar para não desviar do senso do ridículo. Pela manhã acordo, imagino uma conversa hilária, depois um passeio informal quem sabe? Não, não sabem. É "Só" ou "Lidão"? Acho que os dois, mas de maneira que nunca se juntam. Enfim, o Saturno nunca volta. Ainda me encontro aqui, sem nunca atrasar. Naquele reservado senso de "estar".
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
domingo, 22 de dezembro de 2013
Bala Perdida
BALA PERDIDA:
Bala perdida,
O mundo no chão.
Foi na testa de Maria; no coração de João.
Foi nos olhos da criança...
Ou no meio de suas mãos.
Onde escorre a esperança e se esvaia na escuridão.
Foi no morro mais alto, ou no local mais próximo.
Na verdade, não importa a distância, pois é sempre uma linha de destroços.
É o grito do desesperado; o disparo do vento.
É o choro da cidade. É o morto; o enterro.
Bala perdida,
O mundo no chão.
Foi na testa de Maria; no coração de João.
Foi nos olhos da criança...
Ou no meio de suas mãos.
Onde escorre a esperança e se esvaia na escuridão.
Foi no morro mais alto, ou no local mais próximo.
Na verdade, não importa a distância, pois é sempre uma linha de destroços.
É o grito do desesperado; o disparo do vento.
É o choro da cidade. É o morto; o enterro.
terça-feira, 19 de novembro de 2013
Vida & Morte, Vida
Entrego-me
a morte, mergulho em seu profundo inconsciente; retorno como o Cristo, mas
ainda carrego a imensa cruz. Me banho no sangue, bebo da amargura e abraço-me
com a solidão... sou a solidão. Depois me entrego à vida, mas na vida já fui
entregue; afinal, a única certeza que se tem em vida é que a morte sempre
aparece.
Às almas vivas e mortas de Macaíba [especialmente as inconscientemente mortas]
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Capta.Lirismo
Eu
sou o senhor de tudo, manifestador do caos e proclamador de ilusões. Eu criei
seus medos e logo em seguida vendi soluções. Eu te dei uma vida manipulada,
afogada em valores vazios, mas que você daria tudo para que todos olhassem para
o buraco em sua cabeça e aplaudisse esse circo monstruoso... plateia de porcos!
Eu
encho o seu rabo de comida durante 24 horas; excluo, mutilo e deixo passar fome
qualquer classe imunda e que apenas ocupa lugar nesse precioso mundo. Tudo isso faço
para o teu bem-estar. Transformo-me em futilidades para te fazer sorrir; e não
te preocupes, não precisa forçar um pensamento grandioso, já faço isso por ti.
A
única coisa que te peço é que me use, viva de meu sangue e vista-se de meu
corpo; utilize minha língua para proclamar comandos, infle meus pulmões de sua
preciosa nicotina e use meus pés para pisar na escória. Use-me, use-me,
estimule o crescimento; cresça e eu crescerei com você. Mas não ouse me
abandonar nem se quer por um segundo, pois sem mim tu não és nada. Sem mim não
passarás de um pobre lavrador, porteiro, vigia... morto de fome.
Eis
o meu ponto: preferes ser um morto de fome ou um vazio vivo?
Lembre-se
que eu sou a espada ou a cruz, a salvação ou a redenção, o consumo ou a morte,
o dogma e ilusão; eu sou o Messias... ou o nada.
(sou
o que todos são por dentro).
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
Oceano
Foi no meio do oceano que
me encontrei. A cada onda, cada brisa, me modifiquei. Em seu tênue e constante
fluxo, fui arremessado às pedras: fui dilacerado, morto por corvos. Um corpo
jogado a beira de uma costa, apreciado por navegantes e motivo de choro de
[turistas que por lá passavam] pequenos anjos. Na areia da praia me tornei pó.
Já não sabia onde o pó (pequenas lembranças de meu antigo corpo, começavam) e
onde a areia (árdua e áspera, assim como minhas lembranças) terminava. Foi a
onda, brilhante e generosa onda, a quem devo minha vida (ou os resíduos dela),
ela jogou seu pesado e gélido braço sobre mim, me puxou, me fisgou e jogou-me
novamente no conturbado (ora calmo) oceano. Nesse momento tudo girou: céu azul e
o infinito enceno tornaram-se apenas um; já não sabia se os seres brilhantes na
água eram as estrelas que permeavam os céus, ou se a linda lua se tornara a
pobre Virginia, que agora chora. Então tudo para, tudo fica inerte por todo o
sempre, mas não definitivamente, afinal o oceano também existe nesse meio
contraditório. E o som se instala. O transbordar retorna. E no fim, me rendo ao
oceano e me deixo afogar.
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Pessoas são Máscaras
Pessoas são máscaras. Pessoas fingem, iludem, seguem uma doutrina ou ideologia que não condiz com seu verdadeiro eu. Pessoas são espelhos encardidos, de onde não conseguimos ver seu real reflexo, ou melhor, seu interior. Pessoas são inspirações para outras. Mas qual das pessoas? A real, invisível e tímida de ser mostrada - afinal ninguém aceita a real condição que quebra como uma água, as tradições e farsas de uma sociedade idiota e burra -, ou a falsa, a que ilude, segue a brincadeira de fantoches manipulados, por assim ser a melhor opção, o mais fácil jeito de não se ferir, embora mate cade vez mais a verdadeira personalidade que tem dentro de si. Pessoas são idiotas, um oceano inteiro de culpa, onde se afogam e jamais consegue ver outra vez a costa. A verdade.
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
The Crow
O Corvo se instalou no meio do povo (ele está no meio de nós!). Usa,
abusa e usurpa a alma (ele está no meio de nós!). Ele permeia a cabeça dos
enfermos, se alimenta de sua ferida e medo e, com um súbito piscar de olhos,
ele levanta voo (ele está no meio de nós!). Ele é a raiva que culmina no
assassino, o frio que rodeia o sem esperanças; monta seu ninho na mente do insano
e gralha, gralha alto, tão alto quando um coro gregoriano; tão alto quanto os
sinos das igrejas e tão doce quanto o próprio paraíso.
Ele é o querubim caído. Com suas vestimentas negras, desceu. Uma queda
tão teatral, tão insana que mais parecia a última gota de sangue do Criador, a
última gota de vida... Que leva à morte. Mais uma vez ele levanta voo, se
instala na igreja, engole a língua de cada criança, cada pequenino que cantava
a música da salvação. Agora ele tem mil vozes em sua boca, mas nenhum ouvido
disposto a ouvir a dor que culmina a alma dos que ainda as têm.
Por fim, o Corvo se cansa dessa brincadeira. Ele mata, um por um;
arranca o coração dos inocentes e a cada batida, cada gongo de vida se
esvaindo, é o corvo chegando. Ele finalmente vem, expurga, mutila, mata, mas
prende a alma, para que assim possa repetir todo o processo. O céu escurece, os
anjos choram, o corvo abra as asas – imensas sombras escuras abraçam os
corpos... O beijo da morte foi dado –, depois levanta voo, parte desse lugar.
Muitos o consideram um dom ou uma maldição, uma submissão ou redenção. Na
verdade, o Corvo é a libertação.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Queda
A queda às vezes serve como um momento de reflexão. Na queda avaliamos os erros, pensamos nos futuros acertos e, consequentemente, concertamos brechas que deixamos abertas. A queda é o momento de redenção, onde estamos entregues ao próprio "eu"; um empurrão desesperado em direção ao escuro, ao nada. Na queda pensamos em um meio de se safar, de progredir... Ou até pensamos em uma forma de se levantar quando chegarmos ao "destino final". Na verdade a queda é só o "prelúdio", se assim podemos chamá-la. Porque enquanto caímos, estamos em paz se comparado ao impacto, ao choque real quando chegamos ao chão.
terça-feira, 2 de julho de 2013
Afogamento
E aqui estou eu. Mais uma vez me encontro no fundo desse lago,
onde as ondas não batem, aonde as sombras não chegam e onde os reflexos das
luzes, que mais parecem penetrar uma vidraça de catedral, apenas me provocam,
pois sabem que nunca chegarão ao final das águas, nem eu terei forças para
subir e alcançar à graça. Aqui me encontro: meio morto, meio vivo,
essencialmente morto-vivo; um marinheiro pós-naufrágio, onde as únicas canções
que lembra são as músicas de nadar (mas não sabe mais). Essa agonia é confortante,
me prende, me mantêm submisso a ela; como as algas no fundo do oceano, ela me
prende, mas me prende de uma forma delicada e sonolenta (faz parte da
armadilha). Às vezes me sinto pequeno nessa vasta tonalidade de azuis, às vezes
me sinto transparente como as águas que correm um pouco mais acima, tão
transparentes que ninguém, nem mesmo o Narciso que sempre se olha nesse grande
espelho, consegue me ver; e talvez a pior e mais idiota das vezes, eu me sinto
grande, tão grande que acho que posso beber toda essa água sozinho, trazê-la
pra dentro de mim, preencher minha alma com essa abundância, porém no final só
restaria lama... Talvez o problema seja esse: o orgulho, achar que eu sou o
único capaz de beber dessa água, achar que posso fazer isso só. Às vezes penso
que tenho que me deixar seguir pelo fluxo e esperar que ele me leve de volta à
superfície. Mas na verdade a solução é simples: eu tenho que me deixar afogar
nessas águas, tenho que deixar com que ela pare lentamente esse gongo que bate
em meu peito, tão mansa, tão lenta quando as ondas que batem nas pedras... Só
assim posso voltar a respirar.
domingo, 16 de junho de 2013
For Selene, Forever Ago
Então ela vem me aparece assim nessa floresta de
pecado, pisando piedosamente nesse solo sagrado. Ela sobe em minha cama,
comprime meus pulmões e então sussurra em meus ouvidos, um sussurro de mortos e
fantasmas zombeteiros. A dor com que ela me comprime é tanta que apenas consigo
abrir os olhos, então vejo, vejo o modo como ela rir e escarna no solo, que
agora se torna ímpio; vejo como me maltrata como me dilacera, mas também vejo o
modo como ela faz: um modo gentil que chega até ser amoroso. Percebo o momento
em que os deuses zombam da minha fraqueza, eles cospem uma chuva ácida, mas
nada posso fazer, pois não posso me mexer! Então me rendo: rendo-me a ela,
rendo-me a chuva, mas jamais aos deuses. Os pulmões dela se ligam aos meus, ela
sopra fantasmas, eles me enchem de certezas, expandem meus pulmões como uma
saudação a sua nova morada, mas depois partem, o deixam vazio, em uma forma de
uivo mortífero. E o rito final se aproxima, não quando eu quero, e sim quando
ela acha que deve ser; ela ri, aperta minha garganta e dela tira o fino cordão
que nos liga. Ali, bem na minha frente, ela o corta, e então parte, só que ao
partir ela foge inteira, já eu viro... O pó.
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Preciso
Eu acho que ta acontecendo alguma coisa errada, as vezes penso que o tiro no escuro veio direito na minha cabeça, perfurou meus pensamentos e me prendeu em uma falsa certeza. As vezes me procuro naquele quarto, naquele espelho, mas só vejo desespero, anseio, receio; preciso mapear a casa, a rua, procurar um canto por onde ainda não passei, só para passar o tempo que de pesado não voa. Acho que preciso sair de casa, sair completamente; não mais aguentar os absurdos do babaca do carro, não as ilusões utópicas, brigas constantes e sonhos de paz. Acho que tô precisando me encontrar de novo, sair dessa calmaria toda que me da nojo. Procurar um amor de verdade, não um amor de uma hora sem serenidade. Preciso dormir tranquilo sem me preocupar em abrir a porta para quem chega depois... Na verdade eu preciso voltar a chegar depois, para que abram a porta para um cara de ressaca, que não se importa com nada, que não liga para as desgraças e vive numa bolha chamada Ilusão. Preciso voltar a me afundar em um livro e espero que ele me transporte para um mundo novo, sem desgosto, onde eu possa ser rei, ladrão, santo ou pecador, sem nunca temer as consequências de meus atos, pois sou um personagem, sou palavras, apenas mais um em meio a páginas e capas. Preciso ir acordado para a faculdade, esse sono me deixa muito quieto, preciso sair mais para beber, é ai que a gente conhece a verdadeira verdade, a boca vira o reflexo da alma; tudo é mais claro e ao mesmo tempo embaçado. Na verdade, preciso encontrar alguém como eu, sem desespero, com desapego, que muda de opinião a cada instante, que sai de uma da manhã na rua só para bater papo com a galera na calçada. Então eu volto pro quarto e olho para aquele espelho, percebo que já tenho tudo isso; está diante de mim, está acima de meus olhos. É tudo na minha cabeça, é tudo nas palavras, nas páginas. Na verdade é tudo eterno, é tudo desconexo. Sou eu. É o que não existe.
domingo, 14 de abril de 2013
Sonhos à Noite
Só queria que por uma noite tudo
fosse realizado. Dizem que quando se canta alto e claro para a lua, quase como
um uivo, ela atende. Lembrei-me do início, do frio na barriga, de quando o teu
cabelo chicoteava minha cara. Passei o dia a me torturar de lembranças vagas,
lembranças antigas e intocáveis, mas lembranças. Pensei no futuro, no que possa
vir a acontecer.
Que tal morrermos hoje e só
voltarmos amanhã, meu amor? Dessa forma não teremos arrependimentos ou
decepções; permanecerá apenas uma imagem estática, por toda uma vida de um dia,
de nossas melhores lembranças. Congelaremos em um sorriso singelo e ao amanhecer
vamos perceber que nada nesse mundo importa apenas o olhar de duas pobres
vítimas da paixão.
domingo, 7 de abril de 2013
Som dos Sinos
E aqui volto eu, apenas volto, digo. Sem malas ou pensamentos novos, apenas eu, um corpo, um corvo e um jardim de mortos. Gostaria de pegar uma dessas cabeças jogadas aos meus pés, usa-las como se fosse minha para que ninguém me avistasse, para que eu não me visse; mas o espelho não nega, sua sinceridade chega a doer, pois o morto sou eu, o resto apenas descansa nesse chão de areias gélidas. O sino da igreja toca, mas para quem? Até mesmo o Salvador abandonou essa terra de esquecidos. Mas o sino sempre tocou, tocava tão alto e vibrante, com tanta felicidade que seria impossível prever que um dia essa terra habitada por esperanças se tornaria um campo de batalha entre o divino e o sujo; entre você e eu. Permaneci no mesmo lugar onde tudo começou, fiquei esperando alguma resposta... E logo ela veio. A chuva chegou galopando sobre o vento, cobriu toda essa cidade com mais amargura e agora o sino toca lentamente. Sei que minha hora chegou então me deitei ao lado dos corpos de lembranças e fui beijado pela morte, no final de tudo as águas colocaram sobre mim um manto e disseram sublimemente: "Agora descanse, pobre lembrança, o sino em seu peito logo irá parar". Então parti desse mundo, para o mais profundo esquecimento.
segunda-feira, 1 de abril de 2013
We will be young?
O amor é algo misterioso, um prédio sem término onde uma dinamite de saudades está prestes a detonar. Você ainda vem? Eu não vou partir sem você. Você quer que eu vá? Mas para onde seria? Seremos sempre jovens? Ah, disso eu não tenho tanta certeza. Mas eu ainda quero ser banhado por tua luz, quero que você venha bela como sempre, pronta para ouvir meus uivos; te espero na mesma estrada onde não passam cavalos, descalço e vestido de esperanças. As nuvens cinzas já se foram, os corvos aprenderam a cantar e já não são dissimulados. A escuridão já não existe, minha querida, agora os cavalos podem voltar para essa antiga estrada, no nosso coração jovem, para que possamos montá-los e cavalgar para além do som da montanha. E quando lá chegarmos saberemos que estamos pisando no paraíso, onde os seres da floresta nos abençoarão. Passaremos uma vida inteira como se fosse uma grande eternidade, um ao lado do outro. O dia nos iluminará, a noite nos protegerá; e quando nossa hora chegar nos transformaremos em duas grandes árvores bem enraizadas ao chão... Pois o amor jovem é eterno.
segunda-feira, 18 de março de 2013
Carta aos Olhos Verdes p. 1
A mentira é algo tão sinistro, tão traiçoeiro que ninguém pode confiar em demasia nela. É tão fácil mentir para os outros, tão fácil enganar, persuadir e até mesmo viver uma vida inteira com uma camuflagem, sem que ninguém perceba quem você foi de verdade. Mas e o que acontece quando você mente para si mesmo? Tem esse mesmo efeito, esse mesmo controle? Penso que não. Você mente para si até o ponto em que acredita na mentira, vive a mentira, bebe dela, mas em certo momento você acorda. E foi o que aconteceu comigo. Foram tão bons os momentos que vivi perto de você, Coisa Linda. Quando você partiu eu me recusei a acreditar, em minha mente a única coisa que surgia era: ela vai voltar, não se preocupe, ela vai voltar. Mas voltar quando? Desisti de fingir, vesti essa realidade, com muito desgosto, mas vesti. Perceber que você não estava mais em meu dia-a-dia, que não poderia ouvir tua voz a qualquer instante, ou até te contar coisas pra te ver sorrir, me torturou e ainda tortura. Porém o que me corta mais é saber que terei que me contentar com as vezes que trocarmos mensagens... Barrados por essa parede, sem ver rostos ou expressões, apenas mensagens. Mas eu descobri que ainda há esperanças, a amizade é mais forte que essa distância (sempre dizemos isso, um ao outro). Um dia irei te visitar, tu virás também. Mas enquanto isso, só me resta a saudade, e a certeza de que nossa amizade durará para sempre.
domingo, 10 de março de 2013
Humano Morto
Você acorda, mas como se não tem vida? Você anda e se sente vazio, você quer de algum jeito preencher esse vazio. Você compra toneladas de carne por ano, enfia tudo pelo buraco de sua boca, mas o vazio cresce e cresce. Você se sente frustrado - liga a TV, ouve música... As luzes se apagaram, você se esqueceu de pagar a conta, ou estava sem dinheiro. Bom, eles não perdoam. Em meio a escuridão havia um livro, mas quem se importa?
Saiu na rua apocalíptica Apenas mortos vivos andavam por lá, vazios e imundos por dentro, mas ai de quem dissesse isso em voz alta, seria um morto morto. Encontrou o que queria: lojas e mais lojas com bocas gigantes, gritando, seduzindo, querendo que você as apalpasse, sentisse a sua textura jovem. Havia manequins grotescos acenando para você, eles mostravam as pernas, apertavam os traseiros, se ofereciam... Mas você não tem DINHEIRO! Bom, não fisicamente. Você tem um cartão. Olhou direto para a camisa desabotoada, foi "amor a primeira vista". Ela se recusou a se abrir para você, se recusou a entrar; você estava gordo demais, fora dos padrões da industria, da massa. Volte aqui quando estiver magro, Humano Morto! disse a camisa. Você foi a academia, mas não podia pagar - seu cartão estava "estourado", as Pessoas Mortas olharam para você com cara de nojo. Sem emprego, sem dinheiro, como é que você vai viver? Espera, "viver"? Subia as escadas do seu apartamento (atrasado 2 meses), pegou uma arma e tirou a própria existência. Na TV não se falava de outra coisa: Preso goleiro acusado de mandar matar mulher. Eleito corrupto. Mas nem uma notícia de você. Sabe por quê? Por que você nunca existiu, você já não contribuía, você não tinha importância; foi descartado assim como boa parte dos produtos quando não tem mais validade. Você é um PRODUTO. TODOS SÃO UM PRODUTO, prontos para serem descartados e esquecidos. Você é um Humano Morto, e eu sou... O que eu sou?
quarta-feira, 6 de março de 2013
Uivo
Você sempre me considerou um peso em suas costas, um fardo, uma responsabilidade que te enraizava ao chão. Você sempre foi o pobre Atlas, cansado e morto por me carregar acima de sua cabeça. Lembro-me quando você me abandonou naquela floresta de solidão, em meio a demônios e anjos, ao divino e ao sujo; em meio a mim mesmo. Caminhando em meio às sombras já não era mais matéria, já não era mais pensante; tornei-me lobo, e queria de alguma forma rasgar sua ferida e abocanhar seu coração pulsante. No chão oco, encontrei seu vestido de noiva, o cheiro era o mesmo; farejei-te, persegui-te. Você já não era a mesma, tinha se tornado escuridão, então me tornei sol, banhei tuas costas, e você ao perceber que eu estava a espreitar teu corpo nu, fugiu. Vi-te galopar até o alto daquela colina, próximo a árvore de esperanças que plantamos quando jovens. Quando você percebeu o peso de meus olhos em torno de seu âmago, tiras-te a própria vida. O lobo uivou, e de seu uivo toda a terra tremeu, os animais choraram, o sol derramou lágrimas de fogo. Da boca do lobo eu fui regurgitado, corri até o teu corpo jazido em um chão de terra.
- Oh, minha pobre Corça! Eu disse. - Serei o teu Píramo e tu serás minha Tisbe. Aqui jazerão por toda a eternidade nossos corpos, um ao lado do outro, mesmo que não seja de sua vontade.
Ao proclamar minha dor, os anjos desceram do céu em amparo, nos envolveram com ceda, colocaram um manto em meus olhos e após isso me degolaram. Meu sangue escorreu até a raiz da macieira, os frutos ficaram vermelhos; as lágrimas da corça, agora em forma de rio, até hoje escorrem ao lado da árvore. Esse é o preço que se paga por um amor. Esse é o sacrifício final.
domingo, 3 de março de 2013
Massification
"Apenas um número personificado em um ser, apenas uma coisa abstrata, sem nada, sem praça. Uma coisa sem vida, uma coisa comandada, feita para seguir a massa. Mas que massa? A que se desgasta, a que poliu o ar com seus conceitos vazios, sem rio e que sempre acabam morrendo de frio, presos em um grande canil de hipocrisia, onde a mídia controla a vida, a comida, a bebida que é engolida pela preguiça de ser algo além dessa vida. Vida de conceitos, despeitos, "desejos", malfeitos; vida programada, desligada, acabada, mas que se considera idolatrada."
sexta-feira, 1 de março de 2013
Religare
Ligando... Reiniciando...
Profanando...
Acordei, corrompi o sistema,
esqueci as regras do jogo... Memórias falhas ainda me afetam, eles tentam me
enganar, mas as ternuras das páginas brancas são bem mais puras que essa
alienação coletiva. Abri minha janela, deparei-me com o pássaro que vivia em
uma antiga árvore – hoje, o pobre coitado, é o som ambiente do pequeno
quarteirão – os seus ovos tem forma de parafuso, e seu canto tem um som
eletrônico. As pessoas não amam mais (será que ainda as posso chamar assim, de
pessoas?). As mulheres que antes lutavam pelos seus direitos, deixaram cair na
vulgaridade, usam pílulas anticoncepção, para que não produzam nenhuma espécie
de pensamento; esta tarefa é trabalho da Grande Mãe, só ela pode pensar só ela
pode dizer o que devemos saber e como devemos agir. Caímos em um mundo onde o
oposto é a regra: os governantes não andam, o peso de suas farturas impede tal
ato; os invisíveis são magros e cheios de feridas, cada uma tem seu próprio
nome: fome, miséria, vergonha, humanidade. Humanidade... Tá aí um nome
esquecido. Talvez Humanidade seja o Latim do século XXI... Talvez as pessoas
sejam o dilúvio do século XXI. A qualquer tentativa, qualquer ruptura e afronta
a Grande Mãe, eles sabem. Maquiam a verdade, estupram a inocência, e cobrem com
um véu de seda fina os rostos dos “ignorantes”. A massa já não é massa, passou há
muito tempo a ser um liquido pastoso, onde podem ser manipuladas com maior
facilidade, assim como também podem ser ingeridas... ERROR! As pessoas não
distinguem o certo do errado, mas sabem quem será o próximo a ser eliminado...
ERROR! As pessoas não se importam com o próximo, apenas com o lucro – lucro maquiado,
lucro manipulado, lucro roubado. As pessoas mamam no peito das emissoras,
acreditam cegamente no que a Rede Gl... ERROR! ERROR! E as suas irmãs cospem em
seus rostos. Também amam beber da urina diabética da superpotência... ERROR!
Amam a glorificação desdenhosa que os EU... ERROR! ERROR! Pane... Isso não pode
ficar assim, mas acho que sou o único gritando em direção a um ventilador que
corta minha voz. Aliás, nem sei se isso é verdade, quem sabe eles possam estar agora
me observando, ou quem sabe eu ainda esteja dormindo, dormindo no paraíso fictício
e horrendo que eles criaram... Que todos ajudaram a criar. *RUNTIME ERROR! RUNTIME
ERROR! RUNTIME ERROR! Acho que eles me encontraram. Tenho um número gravado em
meu pulso, há também um código de libertação: 193... RUNTIME ERROR! Já sinto as
agulhas. Sangue virou graxa. Um disco gira em minha cabeça; pra falar a
verdade, tudo gira. INFECTED SYSTEM!... INFECTED SYSTEM!... FORMATTED SYSTEM...
BIOS ACCEPTED...
* Erros
em tempo de execução são erros que ocorrem enquanto o programa é executado.
Elas normalmente ocorrem quando o programa tenta uma operação que é impossível
executar.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Suspiro
sábado, 9 de fevereiro de 2013
O Conto dos Três Raposos
No meio de um vilarejo qualquer havia uma macieira, ninguém sabe quando surgiu ou de onde surgiu, a única coisa que sabiam é que ela sempre esteve lá, os mais velhos sempre contavam isso. Mas a magia não está no mistério de sua existência, e sim no que a macieira é capaz de fazer. Com frutos magníficos, a macieira não conhecia tempo ruim, faça chuva ou sol. Ao retirar um fruto de seus galhos outro logo surgia em seu lugar. A cidade era próspera e feliz; era tudo o que conheciam.
Não muito longe da cidade, em uma pequena casinha cercada por árvores e um rio que passava perto do local, viviam três irmãos - três raposas para ser mais exato. Tudo de que precisavam estava ali, na terra. Seguiam o que a sua mãe haviam lhes ensinado, sempre respeitar a natureza e tudo o que ela oferece, e que, só retirassem dela o que suas mãos conseguissem carregar. Sua mãe já não estava mais lá para lhes dar esse conselho (caminhava preocupada tentando achar o medalhão do filho mais novo, este dissera a ela que o tal objeto caiu nas águas enquanto ele passava pela ponte que ligava a casa deles ao caminho da cidade. Enquanto procurava, a mãe raposa arriscou-se a entrar no rio. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu), mas seu conselho perdurava em suas mentes como uma brisa doce e grudenta.
O inverno estava se aproximando, então os irmãos Raposos precisavam se apressar a pegar suprimentos e lenha para se aquecerem nos tempos difíceis. O irmão do meio foi o primeiro a terminar a tarefa da qual estava encarregado: precisou pegar lenha - apanhou do chão apenas um galho caído de cada árvore por onde passava, assim não iria interferir muito, como também deixaria abrigo para os animais menores. Logo o irmão do meio se dirigiu para a cidade. Chegando lá, viu que ainda havia crianças brincando no pátio enquanto aguardavam suas mães que estavam a pegar os frutos da árvore tão adorada. A fila era pequena, cada um pegava apenas uma maçã, o inverno ainda ia se demorar, haveria tempo de estocar comida. Quando chegou sua vez, o Raposo do meio, lembrando-se de que seus irmãos talvez não terminassem seus afazeres a tempo, decidiu pegar mais duas maçãs. De repente ouviu um galho quebrando, mas todos já voltavam para suas casas... Foi o vento.
***
Caminhando pela floresta à procura de uvas e ovos deixados à solidão por uma mãe pássaro, o Raposo mais novo ouviu uma coruja cantarolando no galho de uma árvore. Ele sabia que quando uma coruja cantava na véspera de um inverno que fora profetizado como rigoroso, significava sinal de boa sorte. Com os olhos que só uma criança tem, o pequeno Raposo percebeu que a velha ave não tinha estocado comida alguma; subiu com esforço a árvore e depositou metade do que tinha coletado para o sábio animal, ao descer farejou um forte aroma de uvas frescas, deveria estar por perto. Andou mais um pouco.
Exausto, mas animado, o Raposo do meio chegou em casa - sabia que a neve se aproximava, amava aquela Lady de casaco branco que cobria todo o mundo; fazia-o lembrar de sua mãe, os momentos felizes à andar pela floresta que se vestia com um véu de noiva pronta para se casar com a felicidade. Ao entrar pela porta que dava na cozinha, viu os seus dois irmãos se preparando para a chegada do inverno. Era como um ritual anual, uma cerimônia secreta, onde os únicos membros desta eram os três.
Na manhã seguinte os Raposos acordaram assustados: barulho para todo lado, animais gritando e correndo - parecia que a floresta havia se levantado queixando-se do tempo perdido enquanto estava dormindo. Os Raposos pegaram suas espingardas e correram para a porta, ao correrem para o lado de fora o alivio veio tão rápido quanto a confusão de passos que iam a todas as direções. Nenhum animal se falava, amigos pareciam completos desconhecidos, mas todos com um propósito em comum: chegar à cidade. Ao tentar falar com um dos animais que passava, o Raposo do meio quase foi pisoteado por um enorme javali, a única coisa que conseguiu ouvir foi "...ara a árvore!". Sabia que algo muito errado estava acontecendo. Pediu para que o irmão mais novo ficasse em casa, assim ficaria protegido do frio que já se espalhava por todos os lugares.
Correu na direção da pequena ponte de madeira junto com o irmão mais velho, a atravessou com a mesma facilidade de quem pula de um quadrado feito de giz no chão para outro. Passou por uma fila de animais, saltou por cima de um urso e quase pisou em um pobre esquilo, mas ao olhar para trás, viu que seu irmão já não estava mais lá.
Chegando na cidade, a cena que presenciou era digna de uma obra de Edvard Munch. Todos corriam de um lado para o outro, gritos, confusão. Mas o que mais causou náuseas no Raposo não foi o fato de o terror ter se alastrado por todo o vilarejo, e sim de todos os presentes ali estarem despedaçando o peito que os alimentou por várias gerações, e quem sabe até séculos. Todos abocanhavam e pegavam o máximo de frutos que conseguiam, outros, com maior esperteza, esperava alguém passar desprevenido e pegava os frutos arrecadados. Só após algum tempo que os animais deram conta que o frio já havia se espalhado. Então tudo piorou, animais corriam para as casas mais próximas e roubavam lenhas e até pertences dos outros, a revolta era grande, logo começaram a incendiar tudo; a linha de maldade estava dividida: de um lado os saqueadores e incendiários, do outro os amantes da gula, que não se importavam se suas casas estavam queimando ou que fossem ficar sem abrigo durante o inverno, no momento o que importava era conseguir mais e mais comida.
No fim a árvore não aguentou - um enorme urso, em ataque de fúria, se jogou em cima da macieira. Tudo morreu. Tudo por algum tempo ficou em completo silêncio; a árvore mãe, quem cuidou e amamentou todos aqueles filhos ingratos, agora jazia em um caixão branco. Para completar o clima de ruína, um corvo, nascido em vestimenta de luto, pousou sobre a pequena árvore e cantou um lamento amargo, um choro tão alto que dava para ser ouvido de todos os lugares. O corvo continuo a chorar, mas o que quebrou seu lamento foi um simples "apontar"; uma velha garça apontava para o Raposo do meio, suas únicas palavras foram: "Foi ele, ele é o responsável por tudo isso. Ele matou nossa pequena macieira. Foi ele quem eu vi primeiro carregando não uma, mas sim TRÊS maçãs!". Não foi preciso dizer mais nada, o pobre Raposo foi traído pelos seus próprios pulmões; nem um som foi emitido. Se casas para se abrigarem, sem lenha para se esquentarem, a única coisa que restava era saciar a sede de vingança e de fome. Uma morte não se paga com uma vida, mas uma vida pode ser igualada a morte; pegaram o pobre Raposo, o amarraram com a única corda que sobreviveu ao incêndio e depois usaram o "corpo" da jazida árvore como lenha. Nem uma lagrima foi derramada pelo pobre animal, nem um grito de dor ou súplica perante aquele sacrifício. Ao terminarem com o banquete, os animais sabiam que a morte chegaria em questão de tempo. Estavam felizes, estavam saciados fisicamente e espiritualmente, assim como também estavam mortos.
Na pequena casinha o irmão mais novo sabia que algo de errado estava acontecendo - ouvira o corvo lamentar, e palavras escuras sempre trazem consequências escuras. Estava com fome, o pouco de comida que trouxera para casa foi devorada no jantar do dia anterior. Olhou pela janela da cozinha que dava de frente com a casa da velha coruja e percebeu que esta estava a gargalhadas; com comida abundante a esperta coruja bebia de seu vinho e cantarolava. Então foi daí que senti o aroma das uvas, pensou o pequeno Raposo. Não sabia ao certo se era a fome que estava lhe causando delírios ou apenas o vento soprando lá fora, mas o pequeno Raposo estava ouvindo uma voz familiar... Muito familiar.
(Vem, filho, estou te esperando!)
O pequenino abriu a porta rapidamente. Não soube se isso era realmente realidade, mas sabia que estava acontecendo. Sua mãe o esperava na velha ponte de madeira, estava com os braços abertos esperando que ele fosse ao seu encontro.O pequeno Raposo correu sem se importar com o frio que fazia lá fora, chegando na ponte sua mãe não estava mais lá... Fora apenas uma ilusão...
Você não tem nada para me contar? Perguntou ela - ela agora estava encima do rio congelado. O pequeno Raposo sabia do que sua mãe estava falando, e com lágrima nos olhos ele retirou do bolso o medalhão que sua mãe tanto procurara, e que o preço pela busca foi a perda de sua vida. Sua mãe estava lá, de braços abertos para ele. Do nada o Raposo mais velho apareceu a seu lado e disse: vai com a mamãe, filho. E foi o que o pequeno fez, sua mãe o esperava de braços abertos, o rio estava congelado. Não se sabe como exatamente aconteceu, mas quando o pequeno Raposo abriu os olhos sua mãe estava o abraçando, ambos afundando lentamente em águas gélidas e escuras, mas o amor os aqueceu... Até o último batimento. O Raposo mais velho ficou a observar naquela ponte velha, não havia mais ninguém, o Raposo então se espalhou pelo ar como pequenos flocos de neve; e o inverno enfim se estabeleceu.
O inverno estava se aproximando, então os irmãos Raposos precisavam se apressar a pegar suprimentos e lenha para se aquecerem nos tempos difíceis. O irmão do meio foi o primeiro a terminar a tarefa da qual estava encarregado: precisou pegar lenha - apanhou do chão apenas um galho caído de cada árvore por onde passava, assim não iria interferir muito, como também deixaria abrigo para os animais menores. Logo o irmão do meio se dirigiu para a cidade. Chegando lá, viu que ainda havia crianças brincando no pátio enquanto aguardavam suas mães que estavam a pegar os frutos da árvore tão adorada. A fila era pequena, cada um pegava apenas uma maçã, o inverno ainda ia se demorar, haveria tempo de estocar comida. Quando chegou sua vez, o Raposo do meio, lembrando-se de que seus irmãos talvez não terminassem seus afazeres a tempo, decidiu pegar mais duas maçãs. De repente ouviu um galho quebrando, mas todos já voltavam para suas casas... Foi o vento.
***
Caminhando pela floresta à procura de uvas e ovos deixados à solidão por uma mãe pássaro, o Raposo mais novo ouviu uma coruja cantarolando no galho de uma árvore. Ele sabia que quando uma coruja cantava na véspera de um inverno que fora profetizado como rigoroso, significava sinal de boa sorte. Com os olhos que só uma criança tem, o pequeno Raposo percebeu que a velha ave não tinha estocado comida alguma; subiu com esforço a árvore e depositou metade do que tinha coletado para o sábio animal, ao descer farejou um forte aroma de uvas frescas, deveria estar por perto. Andou mais um pouco.
Exausto, mas animado, o Raposo do meio chegou em casa - sabia que a neve se aproximava, amava aquela Lady de casaco branco que cobria todo o mundo; fazia-o lembrar de sua mãe, os momentos felizes à andar pela floresta que se vestia com um véu de noiva pronta para se casar com a felicidade. Ao entrar pela porta que dava na cozinha, viu os seus dois irmãos se preparando para a chegada do inverno. Era como um ritual anual, uma cerimônia secreta, onde os únicos membros desta eram os três.
Na manhã seguinte os Raposos acordaram assustados: barulho para todo lado, animais gritando e correndo - parecia que a floresta havia se levantado queixando-se do tempo perdido enquanto estava dormindo. Os Raposos pegaram suas espingardas e correram para a porta, ao correrem para o lado de fora o alivio veio tão rápido quanto a confusão de passos que iam a todas as direções. Nenhum animal se falava, amigos pareciam completos desconhecidos, mas todos com um propósito em comum: chegar à cidade. Ao tentar falar com um dos animais que passava, o Raposo do meio quase foi pisoteado por um enorme javali, a única coisa que conseguiu ouvir foi "...ara a árvore!". Sabia que algo muito errado estava acontecendo. Pediu para que o irmão mais novo ficasse em casa, assim ficaria protegido do frio que já se espalhava por todos os lugares.
Correu na direção da pequena ponte de madeira junto com o irmão mais velho, a atravessou com a mesma facilidade de quem pula de um quadrado feito de giz no chão para outro. Passou por uma fila de animais, saltou por cima de um urso e quase pisou em um pobre esquilo, mas ao olhar para trás, viu que seu irmão já não estava mais lá.
Chegando na cidade, a cena que presenciou era digna de uma obra de Edvard Munch. Todos corriam de um lado para o outro, gritos, confusão. Mas o que mais causou náuseas no Raposo não foi o fato de o terror ter se alastrado por todo o vilarejo, e sim de todos os presentes ali estarem despedaçando o peito que os alimentou por várias gerações, e quem sabe até séculos. Todos abocanhavam e pegavam o máximo de frutos que conseguiam, outros, com maior esperteza, esperava alguém passar desprevenido e pegava os frutos arrecadados. Só após algum tempo que os animais deram conta que o frio já havia se espalhado. Então tudo piorou, animais corriam para as casas mais próximas e roubavam lenhas e até pertences dos outros, a revolta era grande, logo começaram a incendiar tudo; a linha de maldade estava dividida: de um lado os saqueadores e incendiários, do outro os amantes da gula, que não se importavam se suas casas estavam queimando ou que fossem ficar sem abrigo durante o inverno, no momento o que importava era conseguir mais e mais comida.
No fim a árvore não aguentou - um enorme urso, em ataque de fúria, se jogou em cima da macieira. Tudo morreu. Tudo por algum tempo ficou em completo silêncio; a árvore mãe, quem cuidou e amamentou todos aqueles filhos ingratos, agora jazia em um caixão branco. Para completar o clima de ruína, um corvo, nascido em vestimenta de luto, pousou sobre a pequena árvore e cantou um lamento amargo, um choro tão alto que dava para ser ouvido de todos os lugares. O corvo continuo a chorar, mas o que quebrou seu lamento foi um simples "apontar"; uma velha garça apontava para o Raposo do meio, suas únicas palavras foram: "Foi ele, ele é o responsável por tudo isso. Ele matou nossa pequena macieira. Foi ele quem eu vi primeiro carregando não uma, mas sim TRÊS maçãs!". Não foi preciso dizer mais nada, o pobre Raposo foi traído pelos seus próprios pulmões; nem um som foi emitido. Se casas para se abrigarem, sem lenha para se esquentarem, a única coisa que restava era saciar a sede de vingança e de fome. Uma morte não se paga com uma vida, mas uma vida pode ser igualada a morte; pegaram o pobre Raposo, o amarraram com a única corda que sobreviveu ao incêndio e depois usaram o "corpo" da jazida árvore como lenha. Nem uma lagrima foi derramada pelo pobre animal, nem um grito de dor ou súplica perante aquele sacrifício. Ao terminarem com o banquete, os animais sabiam que a morte chegaria em questão de tempo. Estavam felizes, estavam saciados fisicamente e espiritualmente, assim como também estavam mortos.
Na pequena casinha o irmão mais novo sabia que algo de errado estava acontecendo - ouvira o corvo lamentar, e palavras escuras sempre trazem consequências escuras. Estava com fome, o pouco de comida que trouxera para casa foi devorada no jantar do dia anterior. Olhou pela janela da cozinha que dava de frente com a casa da velha coruja e percebeu que esta estava a gargalhadas; com comida abundante a esperta coruja bebia de seu vinho e cantarolava. Então foi daí que senti o aroma das uvas, pensou o pequeno Raposo. Não sabia ao certo se era a fome que estava lhe causando delírios ou apenas o vento soprando lá fora, mas o pequeno Raposo estava ouvindo uma voz familiar... Muito familiar.
(Vem, filho, estou te esperando!)
O pequenino abriu a porta rapidamente. Não soube se isso era realmente realidade, mas sabia que estava acontecendo. Sua mãe o esperava na velha ponte de madeira, estava com os braços abertos esperando que ele fosse ao seu encontro.O pequeno Raposo correu sem se importar com o frio que fazia lá fora, chegando na ponte sua mãe não estava mais lá... Fora apenas uma ilusão...
Você não tem nada para me contar? Perguntou ela - ela agora estava encima do rio congelado. O pequeno Raposo sabia do que sua mãe estava falando, e com lágrima nos olhos ele retirou do bolso o medalhão que sua mãe tanto procurara, e que o preço pela busca foi a perda de sua vida. Sua mãe estava lá, de braços abertos para ele. Do nada o Raposo mais velho apareceu a seu lado e disse: vai com a mamãe, filho. E foi o que o pequeno fez, sua mãe o esperava de braços abertos, o rio estava congelado. Não se sabe como exatamente aconteceu, mas quando o pequeno Raposo abriu os olhos sua mãe estava o abraçando, ambos afundando lentamente em águas gélidas e escuras, mas o amor os aqueceu... Até o último batimento. O Raposo mais velho ficou a observar naquela ponte velha, não havia mais ninguém, o Raposo então se espalhou pelo ar como pequenos flocos de neve; e o inverno enfim se estabeleceu.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Hino dos naufragados:
Ganhei! Perdi meu dia, no tom da melodia, com um toque de hipotermia, ao som da nossa sinfonia. Por que não? Perdido na solidão, caminhando na contramão, na batida do meu coração, com um balaço em forma de paixão. Então foi, o início da maldição, quando um dia já fui são, afundando na solidão, que ouvi nossa canção.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
A caixa e o ídolo
Hoje acordei com algo batendo rápido em meu peito, o ressentimento me enganou quando achei que o responsável por isso era o coração. Aproveitei as primeiras horas da manhã de uma forma diferente, com uma companhia diferente: o ressentimento estava ao meu lado. Ressentimento de quê? Essa foi a pergunta que fiz. O medo de uma coisa só piora o estado de quem a sofre, mas esquecer desse medo e fingir que nunca passou por esse transtorno é como vendar os olhos e atirar uma flecha para cima sem se importar aonde ela vai cair, sem se importar que possa cair em minha cabeça. Percebi que estava preso em minha própria gaiola, tenho asas, porém, o voo não será necessário até resolver questões em aberto. O ídolo, já morto em minha cabeça, estava encima da estante dentro de uma caixa, caixa que mais se parecia algo vindo das eras lúdicas, algo como a "caixa de Pandora". Percebi que para acabar com essa tormenta, que agora chegava aos meus ouvidos, eu teria que rasgar meu peito e arrancar esse ressentimento, essa cólera; teria que a expor e fazer com que ela sinta culpa e remorso, só depois de se redimir e pagar pelos seus pecados ela deixaria de existir... Me deixaria em paz! Abri a caixa, depositei-a ao lado do ídolo e ele a abraçou, só então percebi que havia perdão naquele abraço. Fechei a caixa, enterrei-a em um buraco profundo e escuro, onde eu não possa achar, onde eu não possa lembrar. No mesmo instante surgia desse ritual duas árvores: uma com frutos escuros e pecadores, já a outra era branca e com a beleza de uma deusa antiga, banhada de orvalho de uma manhã de glória, mas como parte desse ritual eu deixaria para trás tudo o que depositei na caixa... Quando percebi estava na gaiola, não sabia como voltar para a árvore da salvação que estava bem na minha frente, nenhum mapa para que eu pudesse fazer a escolha fácil. Mas agora o peso foi embora, agora a gaiola estava aberta, a libertação veio como um impacto físico e espiritual; podia voar; já não havia restrições.
Assinar:
Comentários (Atom)








