Florence nos convida para uma cerimônia um pouco diferente...
Depois do tão aclamado Lungs que com sua diversidade deu um "sopro de vida" na indústria musical, Florence e sua máquina agora vem não com fábulas, mas sim com uma incrível cerimonia.Vivemos em uma era onde a música é um produto comercial e só permanece no cenário musical quem conseguir atrair mais "clientes", independente da qualidade do que é ofertado, Florence nos mostra que nem todos são assim.
Ceremonials é um pouco extensa, mas quem se importa? Vamos à análise:
Welch nos inicia (sim inicia, essa é a proposta, afinal isso é uma cerimônia) com "Only If For a Night", a introdução ideal aos delírios musicais em que ela se empenha nesse Ceremonials. Florence fala de vozes e fantasmas a perseguindo devido a um amor frustrado, é uma balada etérea que emerge de corais, órgãos e teclados para elevar ainda mais a performance vocal da inglesa. Acredito que Florence compôs essa música para sua falecida avó; ela consegue nos transportar para um mundo onde o físico e o espiritual se ligam constantemente. É de longe uma inteligência incrível.
"Shake It Out" na minha opinião tem uma das melhores composições da Florence (Cosmic Love também, é claro), o que se ouve aqui é a percussão e o acompanhamento ininterrupto do órgão, mas alguns sutis toques de sons eletrônicos e claro, os corais que fazem o cerne de Ceremonials. Com a voz gigantesca e a interpretação intensa, Florence faz da letra sobre "sacudir" os próprios demônios e "cortar fora" o próprio "coração desajeitado" uma libertação/purificação contagiante, aliás a letra é extremamente metafisica, usando metáforas sobre Céu e Inferno. O clipe vem recheado de elementos da misticidade pagã inerente a Florence.
"What The Water Gave Me" é uma música divina, transcendental. Na música Florence trouxe Kahlo, Wolf e todo um misticismo poético e sombrio, reflete todo o poder do elemento natural chamado água, a música também fala de um amor mal-sucedido. Só que esse amor é elevado a um nível trágico, um nível de sacrifício.
"Never Let Me Go" é uma música capaz de soar como um sussurro ao pé da orelha mesmo quando a cantora eleve sua voz as alturas. Seu "tão frio, mas tão doce" é declamado com essas mesmas qualidades, um suspiro forte, que soa como um vento gelado no rosto, mas que carrega um perfume viciante com ele. A música parece se comunicar com "What The Water Gave Me" soa quase como uma canção pré-suicídio por afogamento. Lembra Virginia Woolf, por analogia.
"Breaking Down" É realmente impressionante, desde a melodia que se torna gigantesca com o passar do tempo, até a composição (mais uma vez aplaudo a genialidade da Florence). A música fala sobre solidão, sobre aceita-la, mas em certos momentos da para se perceber que mesmo que a Florence se renda a isso, mesmo que ela aceite, parece que ela está farta disso, esta ruindo por dentro. Por outro lado, quando chega a parte do coral, parece que somos levados para um clima de conforto onde nossa única e melhor companhia é a solidão.
"Lover To Lover" Lembra muito a música negra dos anos 60 e 70. A música explora todo o potencial vocal da cantora, parece que a música se comunica diretamente com Howl do álbum anterior, Lungs. Enquanto em Howl, Florence perseguia seu amado, o devorava e queria de qualquer forma proclamar o seu amor para ele, em Lover To Lover é um pouco diferente. Nesta, ela tem consciência do que fez, mas não se arrepende. Sabe que a salvação não é mais opção, esta longe de consegui-la, só resta agora afundar em suas escolhas, mas com perseverança e bravura de saber que não tem volta. A diferença entre as duas músicas é que nesta ela sofre uma "batalha" interna, onde ela se julga e se questiona.
"No Light, No Light" A letra retrata a libertação musical de tudo que o sujeito da mesma não é capaz de "dizer em voz alta", mas parece achar tão fácil "cantar para uma multidão", é uma paixão arrebatadora. A música começa suave e triste, lembrando Never Let Me Go, sugerindo uma certa tristeza nesse amor. Mas a batida cresce e a intensidade de Florence também e logo a tristeza se transforma em uma explosão harmônica entre a voz da cantora e o coro de fundo.
"Seven Devils" Melodia sombria, corais que lembram uma invocação pagã. Não se trata de uma adoração, a intenção aqui é reconhecer os "sete demônios", acolhe-los, ser capaz de encará-los. A música também pode falar de um amor frustrado, onde Florence proclama que não voltará atrás "o que esta feito, esta feito".
"Heartlines" É totalmente céltica ou africana, desde a batida até a voz da Florence, lembra um pouco o Lungs.
"Spectrum" De uma certa forma fala de amor, quando tudo esta sombrio (cinza) basta lembrar que existe o amor, e de certa forma tudo se "ilumina".
"Leave My Body" Florence "deixa seu corpo", e deixa também a impressão de um ótimo álbum (é impressionante como ela consegue misturar a arte e o espiritual)
Ceremonials é um emaranhado de arranjos instrumentais calcados na música erudita. Florence faz com que cada uma de suas canções se convertam em clássicos, ou como o próprio álbum aponta, pequenas etapas de uma gigantesca cerimonia. Ceremonials pode ser grande de mais, complexo de mais, cansativo de mais, mas quem se importa? Ceremonials é uma elevação de espírito bem século XXI, através da proclamação em voz alta e clara das próprias falhas e assombrações.
Gosto de comparar Florence + The Machine como um delicioso bolo com uma bomba dentro, suas músicas começam lentas, sublimes e logo após há uma explosão de instrumentos e coros tudo muito bem estruturado. Florence Welch já pode deixar a preocupação de lado, depois de Ceremonials a musicista revela não ser apenas uma simples promessa da música britânica, mas uma sólida garantia.
